Ontem foi dia de pão. De novo. E é assim desde 2006. Com algumas interrupções esporádicas, mas desde 2006. Comecei ainda no Brasil, quando a moda da fermentação natural chegou. Até onde eu sei, quem trouxe a ideia foi a Mari Hirata (@marihiratajapan). Depois, o Luiz Américo Camargo (@luizamericofcamargo) foi um grande incentivador. Rogério Shimura (@rogerioshimura) também. E então a mania pegou…
Naquela época não havia muita informação e as dicas e receitas “on-line” eram escassas. Poucos tinham acesso a boa farinha, apetrechos e conhecimento. A gente em cassa fazia no peito e na raça. Diferente de hoje: tem “sommelier-de-pão” pra tudo quanto é lado. Basta dar uma olhada no YouTube ou Instagram. Um sem fim de minúcias e picuinhas que não fazem diferença. Chega a ser chato. Tem muito exagero e complicação, mas não dá pra negar que há informação à vontade. E muita coisa boa!
Seria chover no molhado mostrar por aqui como começar um levain do zero ou dobrar e modelar um pão. Tem muita gente na web explicando isto à exaustão e muito bem. O motivo deste post é dividir a minha receita e algumas dicas com dois velhos amigos: Mateus e Felipe que vieram aqui em casa justamente para aprender como fazer sourdough. Foi divertido demais. Entre uma etapa e outra do processo, cozinhamos juntos um Curry Japonês (receita no próximo post) e bebemos o que havia à disposição… Fechamos o dia na varanda com uns charutos, licor e blues tocando “na vitrola”.
Hoje de manhã Felipe e Mateus assaram o que preparamos na véspera (levaram os pães que fizeram já formados e no banneton, prontos para a fermentação longa, a frio). O resultado está nas fotos e nos vídeos abaixo.
Não é que os padeiros de primeira viagem fizeram pães fantásticos?!? Agora tenho mais uma coisa em comum com estes veteranos que, como eu, já estão há um tempão aqui na Ásia. Já estou vendo uma confraria nascendo por aqui… Para incentivar deixo algumas manhas e bizús por escrito. Minha contribuição para que venham muitas fornadas!
Dicas:
Nunca esqueça dos 4Ts:
-Tempo – Quanto mais tempo, mais fermentação.
-Temperatura – Quanto maior a temperatura, mais rápida a fermentação e vice-versa.
-Técnica: entenda a receita, os ingredientes, o processo. A técnica vai influir muito no resultado. Pode “consertar” ou arruinar uma receita.
-“Tralha”: Os equipamentos. Entenda o que você tem disponível. Como funciona o seu forno? A que temperatura chega? Na minha opinião, uma balança e um termômetro para o seu forno são fundamentais (nunca confie no botão de temperatura do forno). No mais, tudo se improvisa. Se puder, é legal ter banneton, formas diversas, termômetro, riscador, pedra para o forno, etc, etc, etc… Equipamento, bem usado, ajuda a muito ter consistência nas fornadas.
Nunca esqueça dos 4Ps:
-Paciência: não adianta colocar o carro adiante dos bois, queimar etapas no processo. Pão de fermentação natural tem seu próprio tempo. Este tempo varia de acordo com as condições do ambiente. Às vezes, mudanças no processo e na técnica aceleram a preparação, mas não muito.
-Persistência: a chance de dar errado no começo é grande. Persista, insista, não desista!
-Prática: quanto mais você praticar, melhor será seu resultado. Assar se aprende assando!
-Por quês: Aprenda com os erros e acertos, entenda como as coisas acontecem. Entender o que está fazendo é fundamental. Como disse, há muito material disponível e de graça na web. Veja aqui algumas pessoas que me ensinam e me inspiram:
-Prazer: A gente faz pão porque gosta; porque não tem preço uma fornada perfeita num domingo de manhã; por que o sabor e textura de um pão de fermentação natural bem feito é incomparável. E por aí vai… Não seja um “panifichato”. Não seja “somellier de pão” (respeite quem prefere bisnaguinha 7 boys. São deliciosas mesmo, ainda que industrializadas!). CURTA O PROCESSO!!!! Aproveite a viagem porque quando você pega o jeito, ela é sem volta.
Descomplique. Apesar do que dizem alguns chatos das mídias sociais, não trate seu levain como um paciente de UTI que precisa de 24 horas de monitoramento e cuidados! É só água e farinha com uma cultura de leveduras e bactérias. É coisa ancestral. A própria Mari Hirata me contou pessoalmente que já deixou seu fermento à míngua por mais de um mês. Até mofo criou em cima. Ela tirou o que não prestava e realimentou o que restou. O levain ressurgiu firme e forte (sim, eu tive o prazer de passar uma tarde inteira na casa dela em Tokyo cozinhando, aprendendo sobre cozinha japonesa e falando sobre comida. Veja lá no meu Instagram e morra de inveja! Kkkkk)
A Receita Mais Fácil de Sourdough:
Esta receita é da Northwest Sourdough e é uma das que mais faço no dia a dia.
-390g de farinha de trigo para pão
-250g de água
-100g de levain
-8g de sal
O Método (o que funciona para mim. É apenas uma indicação, para se ter ideia do processo. Ajuste à sua realidade):
Considere que a temperatura ambiente esteja entre 22C e 25C. Mais calor, tempos menores. Mais frio, tempos maiores. Os horários abaixo são apenas referências. Os tempos variam de acordo com uma série de fatores.
-1º dia, tarde da noite: tire o pode de levain da geladeira e deixe-o à temperatura ambiente.
-2º dia, 7 da manhã: o levain já deve apresentar atividade, dobrando de tamanho. Descarte uma parte, mantendo cerca de 100g no pote. Realimente com 100g de farinha + 100g de água mineral (isto chama-se “realimentar” ou “reformar” o levain).
-2º dia, 10 da manhã: a esta altura, o levain realimentado (reformado) já deve ter quase dobrado de tamanho. Deixe que ele continue trabalhando… Enquanto isso, separadamente, em uma tigela grande, faça a autólise (misturar os 390g de farinha com os 250g de água). Deixe descansar por cerca de 1 hora (para a autólise acontecer).
-2º dia, 11 da manhã: misture 100g de levain – que deve ter dobrado de tamanho, pelo menos – à farinha+água que estavam em autólise na tigela. Acrescente as 8 gramas de sal. Não é necessário sovar. Apenas misturar até que esteja tudo homogêneo. Quando terminar isso, aproveite e realimente o levain que sobrou: descarte boa parte, deixando apenas cerca de 1 colher de sopa. Acrescente 100g de àgua + 100g de farinha e misture. Guarde o pote na geladeira para uso futuro.
-2º dia, à partir das 11:30 e por cerca 3:30 horas consecutivas: faça dobras a cada 30 minutos.
-2º dia, 3:00 da tarde: pré-formar o pão. Descansar de 15 a 30 min, aproximadamente.
-2º dia, 3:30 da tarde: modela, colocar no banneton e levar à geladeira (é a fermentação a frio), até do dia seguinte.
-3º dia, pela manhã: Eu geralmente asso esta receita numa panela de pesada (de ferro ou esmaltada). Porque o resultado é melhor, na minha opinião. Coloque a panela no forno e ligue até chegar à temperatura de 220C. Retire a panela quente, joque um pouco de semolina, fubá ou até mesmo farinha no fundo da panela. Retire o banneton com a massa da geladeira. Retire a massa do banneton e coloque diretamente na panela. Faça o corte. Tampe a panela e volte ao forno por 20 minutos. Após este tempo, destampe a panela, ajuste a temperatura para 180C e asse por mais 20 minutos ou até que esteja na coloração do seu agrado.
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